O primeiro ponto a ser destacado é a norma trazida pelo Legislativo 06 em fevereiro desse ano. Até o momento, a única norma infraconstitucional que trata acerca do coronavírus é a Lei nº 13.979/2020. O §3º do artigo 3º da legislação assevera que “será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo”. Aqui temos, portanto, uma hipótese de interrupção do contrato de trabalho, na qual o funcionário continuará a receber normalmente seu salário, cujo período de afastamento será computado inclusive para todos os efeitos legais, quer dizer, para fins de contagem do tempo de serviço, cálculo da gratificação natalina e das férias, além dos depósitos do FGTS devidos na conta vinculada do empregado.
Entrementes, ressalvada a especificidade da lei acima mencionada, todas as demais controvérsias serão esclarecidas com base nos preceitos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, como também na legislação previdenciária, as quais não sofreram nenhuma alteração por força de um nova lei ordinária aprovada pelo Congresso Nacional, ou de medida provisória editada pelo presidente da República.
Detaca-se, a seguir os benefícios previdenciários decorrentes de afastamentos em razão de adoecimentos. Para o coronavírus, há duas possibilidades de recebimento desse benefícios. Por força da legislação previdenciária, regra geral a empresa arcará com o pagamento dos salários até os primeiros 15 (quinze) dias e, após, sendo justificada a prorrogação do prazo, tal obrigação passa ser do INSS, mediante o pagamento de auxílio-doença comum, o qual impede que o contrato de trabalho seja rescindido enquanto perdurar a fruição do benefício.
Porém, se acontecer de a companhia pretender impor ao funcionário que ele faça viagens (devido natureza do cargo) e, se a contaminação do colaborador ocorreu porque a empresa o obrigou a viajar, aí se estará diante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho, ocasião em que se reconhecerá o COVID-19 como acidente do trabalho. E a partir do reconhecimento do acidente do trabalho e, por conseguinte, da concessão de benefício previdenciário de natureza acidentária, importantes consequências legais repercutirão no pacto laboral do funcionário.
Exemplo disso será a manutenção do contrato laboral pelo prazo mínimo de 12 (doze) meses após a cessação do benefício; a obrigação do empregador em depositar o FGTS durante o período do auxílio-doença acidentário; o eventual impacto na estatística da empresa para fins de majoração da contribuição do SAT/RAT em até 100%; responsabilização civil com indenizações reparatórias por danos morais e materiais (danos emergentes, lucros cessantes e pensionamento); além, claro, do ajuizamento de ações regressivas em nome da Fazenda Nacional para a restituição dos valores dos benefícios previdenciários pagos pelo INSS por culpa da empresa.
O Terceiro ponto a ser considerado é o incentivo ao home office pelos funcionários que assim conseguirem desempenhar suas atividades laborativas em casa, desde que essa mudança seja de iniciativa da empresa. A adoção do sistema home office [que é diferente do teletrabalho] não exige maiores formalidades, bastando uma mera previsão em regulamento empresarial ou política interna a ser adotada pela empresa. Os funcionários continuarão a deter idênticos direitos trabalhistas como se estivessem executando seus afazeres nas dependências da companhia, inclusive com o recebimento de horas extras e adicional noturno, se for o caso.
De outro norte, se o serviço não puder ser executado à distância, como ocorre, por exemplo, com a indústria, alternativas podem ser adotadas, sendo a mais comum a concessão de férias individuais e coletivas. Aqui também pode ser levado em consideração [em níveis mais extremos] o chamado “lay-off”, desde que previsto nos instrumentos normativos (acordo ou convenção coletiva). A própria redução da jornada de trabalho, mediante o pagamento proporcional dos salários, é também uma saída extrema e expecional de ser construída, como medida a evitar a rescisão dos contratos de trabalho. Nesse diapasão, a legalidade do procedimento passa pela chancela do sindicato profissional, sendo o part time uma prática existente na legislação celetista há anos e apropriada exatamente nesses momentos de crises.
Outro aspecto bastante preocupante é com os suspeitos do COVID-19, mas sem confirmação oficial, o que, atualmente, representa a maioria dos casos. Aqui não há que se impor o denominado “isolamento”, que está adstrito aos colaboradores doentes ou contaminados, e sim a conhecida “quarentena”, que se relaciona à restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
Outro destque seria que a empresa não se poderia omitir de cuidados com os equipamentos de proteção individual e coletivo de trabalho, até porque a manutenção de um ambiente laboral sadio e salubre é obrigação da empresa. Nesse sentido, deve ela fornecer os materiais de proteção higienizados aos funcionários, seguindo os protocolos das autoridades sanitárias. O comportamento omissivo da empresa pode gerar sua responsabilização para efeitos civis e trabalhistas, podendo ensejar pleitos de rescisões indiretas dos pactos laborais, sem prejuízo de indenizações reparatórias, mormente se comprovado que o colaborador contraiu o COVID-19 em seu ambiente de trabalho.
A esse respeito, portanto, o empregador, de acordo com a dinâmica de sua atividade empresarial, deverá adotar as medidas que hoje estão sendo divulgadas pela Organização Mundial da Saúde, tudo a promover a redução do risco do contágio do COVID-19 nos ambientes laborais. Algumas dessas orientações são: (i) superfícies como mesas e telefones devem ser higienizadas com desinfetante frequentemente; (ii) empresas devem orientar seus funcionários a lavarem com frequência suas mãos e oferecer sabonete nos banheiros; (iii) prover máscaras e papel; (iv) funcionários que tenham sintomas, mesmo que leves, devem ficar em casa.
Será natural que muitos empregados passem a faltar ao serviço a cada dia em que coronavírus se espalhar em nosso país. E, claro, as hipóteses para que isso aconteça serão as mais diversas, passando de meras suspeitas de contágio do vírus, até casos de pessoas efetivamente contaminadas. A problemática fica ainda pior se levado em consideração o fato de que os suspeitos e as eventuais pessoas contaminadas estejam frequentando o mesmo ambiente laboral daquele funcionário que não deseja ali estar por uma questão de saúde pública.
Fonte: Texto adaptado de Ricardo Calcini, via portal JOTA.