A Justiça do Trabalho reconheceu o direito de um trabalhador do transporte coletivo de Cuiabá receber horas extras pelo tempo gasto antes e depois das viagens, mas que não era registrado nas folhas de frequência. Contratado como motorista e cobrador, diariamente ele precisava estar na empresa pelo menos 15 minutos antes de colocar o ônibus para rodar e só encerrava o expediente de 15 a 20 minutos depois de deixá-lo na garagem, tempo usado para fechar o caixa. Entretanto, na folha de frequência só era anotado o período de circulação do veículo.
A obrigatoriedade de chegar antes e sair após o registro do ponto foi confirmada por uma testemunha que relatou que a rotina era fechar o turno dentro da garagem, mas depois disso não podia ir embora, pois precisava esperar a manobra e fechar o caixa, sendo que o horário registrado era o do carro e não o que efetivamente se concluía o serviço.
Ao julgar o caso, a juíza Bruna Baggio, em atuação na 8ª Vara do Trabalho de Cuiabá, avaliou, com base nas provas do processo, que a exigência de que os motoristas cheguem antes e fiquem após o final do expediente, sem que isso seja registrado, é uma prática da empresa.
Diante da constatação, determinou o pagamento referente a 32 minutos diários – sendo 15 de antecedência e 17 (média de 15/20 minutos) ao final da jornada – dos últimos cinco anos do contrato de trabalho do motorista.
A magistrada também condenou a empresa a pagar o valor referente às demais horas extras cumpridas além da 7ª diária, também comprovadas pelo trabalhador, e, diante da habitualidade que o motorista precisava cumprir essas horas extraordinárias, reconheceu o reflexo desse valor nas férias, 13º salário, descansos remunerados (domingos e feriados) e FGTS.
Intervalo intrajornada
Além das horas extras, o trabalhador pediu o pagamento do intervalo intrajornada que, conforme a legislação, é de no mínimo uma hora de duração para trabalho contínuo que ultrapasse seis horas.
A empresa alegou que os intervalos eram gozados entre uma viagem e outra, de forma fracionada como previsto em convenções coletivas de trabalho. O trabalhador afirmou que não usufruía da pausa e, ainda, que o fracionamento era ilegal.
Inicialmente a juíza lembrou que o empregador deve proceder o registro do intervalo intrajornada nos controles de jornada, ou ao menos sua pré-assinalação, como autoriza o artigo 74 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Como isso não feito na maior parte do contrato, presume-se que o intervalo não foi usufruído. Entretanto, essa presunção foi afastada por conta dos relatos contraditórios no processo: enquanto, a testemunha indicada pelo trabalhador afirmou “que praticamente não tinha intervalo entre uma viagem e outra”, a testemunha da empresa declarou que “entre uma viagem e outra tem cerca de 10 a 15 minutos de intervalo; que raramente acontece do carro estar atrasado e não ter intervalo (…)”.
Diante da situação conhecida como prova dividida, em que ambas perdem a credibilidade em razão da divergência, o pedido é julgado desfavorável a quem tinha o ônus de provar a alegação. No caso, o trabalhador. A controvérsia foi solucionada, dessa forma, a partir da manifestação da empresa que havia informado que os intervalos fracionados totalizavam 20 minutos.
A magistrada passou então a verificar se esse tempo atende o que diz a legislação. Tendo em vista que o contrato do motorista iniciou em setembro de 2012, foi necessário fazer uma análise com base nas alterações das normas nos últimos sete anos.
A conclusão foi de que o intervalo de 20 minutos no período do contrato durante a vigência da lei 12.619/2012 feria a norma, uma vez que esta não permitia a redução para menos de uma hora. A redução e o fracionamento passaram a ser autorizados somente em março de 2015, com a publicação da lei 13.103.
Entretanto, mesmo a partir da vigência dessa nova norma a empresa terá que a pagar a diferença entre os 20 minutos gozados e a uma hora de intervalo. Isto porque o trabalhador rotineiramente era obrigado a fazer horas extras, “situação que altera o objetivo, isto é, a razão da pactuação do intervalo reduzido, para que o empregado permanecesse menos tempo à disposição do empregador, situação que retira a validade da norma coletiva”, explicou a magistrada.
Nesse sentido, citou decisões do TRT de Mato Grosso respaldando o entendimento de que nessa circunstância o empregado fica sujeito a uma carga maior de trabalho, o que pode causar risco a sua saúde, devendo a norma ser julgada inválida.
A empresa, então, foi condenada a pagar ao motorista o valor referente a 1 hora por dia trabalhado, a título de intervalo intrajornada, nos dias em que a duração do trabalho tenha ultrapassado as seis horas.
PJe 0001240-43.2017.5.23.0008
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho – 23ª Região.