“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é um pedaço do continente, uma parte do todo. (…) A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E, por isso, não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”John Donne.
O sentimento de pesar do trecho desse famoso poeta inglês nos remete bem ao contexto de luta e de morte em torno do racismo estrutural difundido ao redor do mundo. A discriminação racial, longe de estar banida das relações sociais, agora se instala de modo estrutural, orgânico, institucional, continuando a matar milhares de negros e pardos, mas agora através da morte pela exclusão, morte pela indiferença, morte pela pobreza, morte pela bala perdida, morte por asfixia.
Dias atrás assistimos a gota d´água do racismo estrutural (que já vem matando milhares há anos) através da violência policial covarde contra um homem negro nos Estados Unidos. Algumas semanas antes, o Brasil entrou em choque com a morte de João Pedro, numa operação desastrosa no Rio de Janeiro. Antes de João, havia sido a Jennifer, e antes a Ágatha, e antes o Kauan, e antes o Kauê, e antes tantos outros.
Negros e pardos sempre sofreram tratamento excludente na nossa história. Infelizmente, nas relações de trabalho, essa discriminação ainda é bastante presente. Segundo MPT* (via OGlobo, 2019), denúncias em razão de discriminações raciais aumentaram 30% entre 2014 a 2018. A PNAD/IBGE* (2019) revela que existe uma diferença de 31% de salários entre brancos e negros com o mesmo nível de escolaridade e mesma profissão. O IBGE* (2018) alega que existe uma diferença média de 73% entre os ganhos de brancos e negros no país. A Data Folha (2019) em parceria com a Mindset, noticiou que a inclusão no mercado de trabalho é o assunto mais urgente a ser discutido para 48% dos negros e pardos brasileiros. É que quanto mais alto for o cargo, menor é a ocupação por negros. No setor bancário, por exemplo, existem bancos em que não há nenhum negro ou negra em cargos de diretoria e superintendência (região de São Paulo e Osasco, via Agência Brasil, 2017; e SEEB-SP/OSASCO, 2017).
Vale destacar que, no Brasil, último dos países das américas a libertar os escravo, muito pela miscigenação, a discriminação varia, não estritamente pela origem familiar, mas de acordo com a intensidade da aparência racial que a pessoa possui, como cor da pele, tipo de cabelo e o nariz achatado e largo (NOGUEIRA, 2006). Quanto mais semelhante a “negro” aparentar o indivíduo, maior as chances de sofrer discriminação racial. Ora, mas não somos literalmente o resultado de uma mistura de povos? Ainda assim, nós brasileiros nos dividimos em grupos, em que os mais “brancos” discriminam os mais “pretos”. Como bem disse Juahrez Alves, ” O ser humano ainda se junta, não para ter o prazer de viver em sociedade, mas para sentir o desprazer de viver em apartheid”.
Nos falta ter consciência, como diria John Donne, de que fazemos parte do gênero humano. Quando vimos o homem negro americano ser asfixiado, éramos nós, também, que ficamos ali sem ar. “I can’t breathe” (“Não consigo respirar”). Éramos nós, ali, padecendo sob o joelho daquele desumano policial. “I can’t breathe”. Éramos nós sendo abordados de forma violenta e covarde. “I can’t breathe”. Éramos nós suplicando um pouco de afeto e respeito. WE “can’t breathe”. Da mesma forma, ao ver a casa de João Pedro ser alvejada com tiros de fuzil, também era a nossa casa que estava sendo metralhada. Enquanto ser humano, o outro é minha imagem, é meu semelhante, é minha família. Se perdermos essa conexão, perdemos a noção de humanidade, deixaremos de pertencer ao todo. Portanto, denuncie, cobre, se posicione, quebre a roda do racismo estrutural; e quando pensar na discriminação e morte destes e de tantos outros negros, não perguntes por quem os sinos dobram. Saiba: eles dobram por ti.
Fontes:
Agência Brasil, 2019. Acesso por <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-11/negros-enfrentam-mais-dificuldades-que-negros-no-mercado-de-trabalho-diz-mpt> Disponível em 02.06.2020
Data Folha (2019). Acesso em <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/11/18/inclusao-no-mercado-de-trabalho-e-tema-prioritario-para-populacao-negra-no-brasil-diz-pesquisa.ghtml> Disponível em 02.06.2020
NOGUEIRA, O. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem — sugestão de
um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. In:
NOGUEIRA, O. (org.). Tanto preto quanto branco: estudos de relações raciais, São Paulo:
T.A. Queiroz, 2006.
O Globo, 2019. Acesso por <https://oglobo.globo.com/economia/denuncias-de-discriminacao-racial-no-trabalho-crescem-30-em-quatro-anos-23538353> Disponível em 02.06.2020
PNAD, 2019. Acesso por <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnad-continua.html?edicao=27257&t=sobre> Disponível em 02.06.2020
SEEB-SP, Osasco e Região. Acesso por <https://spbancarios.com.br/11/2017/bradesco-cade-os-bancarios-negros> Disponível em 02.06.2020
Siglas:
MPT= Ministério Público do trabalho.
PNAD= Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
IBGE= Instituto brasileiro de Geografia e Estatística