Um conflito sobre o local da tramitação de um processo trabalhista envolvendo as cidades de Altamira (PA), Uberlândia (MG) e Rio de Janeiro (RJ) terminou com uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) permitindo a tramitação do processo na cidade onde a ex-funcionária reside, localizada há mais de 2 mil km do local da prestação de serviço. O tema gerou polêmica entre os ministros e quase rendeu ao advogado da causa uma multa por litigância de má-fé, mas seis dos dez ministros do colegiado entenderam que a decisão garante o acesso irrestrito à Justiça e a ampla defesa.
A reclamante era uma ex-funcionária da Agrar Consultoria e Estudos Técnicos LTDA em Altamira, mas a empresa encerrou as atividades no Pará, ficando apenas com a sede na capital carioca. O contrato de trabalho então chegou ao fim, e, já desligada da empresa, a ex-funcionária se mudou para Uberlândia.
Tempos depois, a ex-colaboradora deu entrada em uma ação na qual questiona valores de horas extras e benefícios na 1ª Vara de Uberlândia, porém a empresa protestou sobre o local onde o processo deveria tramitar. Inicialmente, a Agrar pediu que o processo tramitasse no Rio de Janeiro, onde fica a sede. Depois, mudou de estratégia a fim de que a vara de Altamira fosse a responsável pelo processo.
Em junho de 2016, o Tribunal Regional da 3ª Região (TRT-3) decidiu que a competência não cabia nem à vara trabalhista do Rio nem a de Uberlândia – a jurisdição deveria ser do município onde foi realizado o trabalho. A decisão foi calcada no artigo 651 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estabelece que a competência é determinada pela localidade onde o empregado prestou os serviços ou onde foi firmado o contrato, com exceção de viajantes comerciais.
Meses depois o processo foi julgado pela 8ª Turma do TST, que não contrariou o TRT-3. A a reclamante interpelou novo recurso e, na SDI-1, o colegiado decidiu, por seis votos a quatro, que a ação deve tramitar no município onde a engenheira reside, já que a Constituição Federal garante acesso amplo e irrestrito à Justiça, bem como a possibilidade de se defender.
“A empresa quer impedir o acesso à Justiça da parte mais fraca, que é o empregado. Essa é a questão”, justificou o ministro José Roberto Freire Pimenta, ao votar com o relator Cláudio Mascarenhas Brandão pela mudança da competência para a vara da Uberlândia.
“Como pode ser que a reclamada prefira se deslocar para Altamira quando ela pode ir para Uberlândia, muito mais perto?”, questionou o ministro Breno Medeiros, que também votou com o relator.
Para os ministros que se opuseram à manutenção do caso em Uberlândia, por outro lado, o artigo 651 da CLT obrigaria que o processo tramitasse em Altamira, onde o trabalho da engenheira foi exercido.
“Uberlândia não é nem a cidade onde foi firmado o contrato, nem onde ela prestava serviços. Por usar a lógica de onde a reclamante reside, cria-se precedente para que se ajuíze ações trabalhistas em qualquer lugar. Se a pessoa residir em Tóquio, ela vai querer que a ação corra lá”, disse o ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira antes de dar voto divergente ao relator, ou seja, contra o pedido da reclamante.
Litígio de má-fé
A sessão da SDI-1 foi marcada por uma longa discussão sobre a aplicabilidade ou não do artigo 651 da CLT e um pedido de aplicação de multa por litigância de má-fé ao advogado da empresa.
Em sua sustentação oral, o advogado disse que o relator, o ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, estava “equivocado” em suas colocações sobre a empresa ter pedido para que o processo fosse encaminhado para o Rio de Janeiro, e fez afirmações que, segundo o magistrado, não constavam nos autos.
Após a exposição, Brandão disse que não admitiria que o advogado fizesse declarações “que poderiam levar o colegiado a atentar-se a fatos que não existem” e pediu multa de 2% no valor da causa por litígio de má-fé.
O relator ainda fez questão de citar os autos do processo que deu origem ao recurso – inicialmente, a Agrar havia pedido a transferência da ação judicial para o Rio de Janeiro, e só depois do acórdão do TRT-3 é que insistiu na cidade de Altamira. Após votação entre os ministros, por seis votos a quatro, decidiu-se a não aplicação de multa ao advogado.
Fonte: Portal de Notícias JOTA.