BRF é processada em R$ 1 mi por demissão em massa sem negociação prévia com sindicato

BRF é processada em R$ 1 mi por demissão em massa sem negociação prévia com sindicato
Carlos Chagas

O Ministério Público do Trabalho em Rondonópolis ajuizou ação civil pública contra a unidade da BRF Foods de Campo Verde, localizada a 140 km de Cuiabá. A empresa encerrou as atividades de avicultura e dispensou, nos meses de julho e agosto deste ano, quase 80 trabalhadores sem a realização de negociação coletiva com o sindicato da categoria.

O objetivo, segundo o MPT, não é interferir na atividade empresarial, mas fazer incidir os direitos fundamentais nas relações coletivas de trabalho, de modo a exigir amplo diálogo e a construção de uma solução intermediária para diminuir os impactos sociais e econômicos causados na vida dos trabalhadores e suas famílias.

A empresa confirmou que apenas comunicou, nas vésperas do início da dispensa em massa, o encerramento das atividades. Ouvido pelo MPT, o sindicato laboral informou, ainda, que somente recebeu uma ligação telefônica seguida de uma visita de um representante do frigorífico.

“A conduta da ré, de surpreender a toda uma comunidade com o anúncio do encerramento de uma linha de produção em menos de dois meses, acarretando a dispensa de centenas de trabalhadores no interior do Mato Grosso, não se dispondo a negociar previamente, afronta os princípios e regras trabalhistas mínimos, causando impactos graves e lesões aos trabalhadores dispensados, suas famílias, à economia, à arrecadação municipal e à toda a comunidade local”, pontua o procurador do MPT Bruno Choairy.

Choairy explica que a mera comunicação, seguida da dispensa de inúmeros empregados, viola a Constituição e normas internacionais de tratados ratificados pelo Brasil. Para o procurador, a postura adotada pela BRF tem contornos de abuso, “com desprezo à função social da propriedade e ao valor social do trabalho, reconhecidos pela Constituição Federal, praticando ato ilícito, uma vez que, na forma do art. 187 do Código Civil, ela excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Ele afirma que a empresa poderia ter adotado medidas alternativas para atenuar o impacto social e econômico na região, como a concessão de férias coletivas, suspensão do contrato de trabalho para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, chamado de layoff, e/ou a criação de Programas de Demissão Voluntária (PDVs).

“Não se cogitou sequer estabelecer negociação para que outros critérios fossem adotados, tais como a manutenção de ao menos um dos membros da família no emprego ou de trabalhadores idosos e/ou com deficiência, a fim de minimizar os efeitos nefastos da dispensa em massa na região. A jurisprudência é uníssona acerca da abusividade de tais dispensas, exigindo a prévia negociação coletiva, que envolva proteções mínimas aos trabalhadores”, assevera.

No grupo de funcionários dispensados há diversos empregados com mais 20 anos de empresa. Choairy observa que a obrigatoriedade de uma negociação coletiva preceder uma demissão em massa de empregados ganhou repercussão geral em 2013, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) avaliou um Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 647651), no qual se questionava o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Essa decisão do TST tem orientado os Tribunais de todo o Brasil sobre como julgar questões envolvendo o assunto.

O caso examinado dizia respeito à demissão, ocorrida em fevereiro de 2009, na cidade de São José dos Campos (SP), de cerca de 4.200 trabalhadores da Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A (Embraer) e da Eleb Equipamentos Ltda. Ao julgar recurso ordinário no dissídio coletivo interposto pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região contra as empresas, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST entendeu que a dispensa coletiva, diferentemente da individual, exigiria a aplicação de normas específicas.

“A referida decisão baseou-se no fundamento de que a dispensa coletiva, para ser válida, exige a ampla e prévia negociação coletiva, à luz dos pilares da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da função social da empresa, valorizando, ainda, a livre negociação coletiva e a democracia nas relações entre capital e trabalho”, salienta o procurador.

Reforma trabalhista

O caso traz à tona o questionamento de uma possível flexibilização trazida pela Reforma Trabalhista, que teria permitido a dispensa em massa sem negociação. No entanto, o procurador assinala que a negociação coletiva continua obrigatória, não podendo o empregador simplesmente se recusar a negociar. “Daí ser necessária a interação entre empresa e sindicato obreiro, onde se visualiza uma clara limitação ao poder de direção do empreendimento privado, decorrente do princípio da livre iniciativa, em favor de certo compartilhamento do poder no âmbito da produção: o empregador deve, pelo menos, considerar as reivindicações obreiras”, frisa.

De acordo com o procurador, as decisões do TST, inclusive as proferidas em 2018, ou seja, depois da Reforma Trabalhista, continuam sendo no sentido da necessidade de negociação coletiva prévia à dispensa em massa.

Pedidos

Além de requerer a nulidade das dispensas realizadas e a reintegração dos trabalhadores, com o consequente pagamento dos salários e demais vantagens devidas no período, o MPT pede a condenação da multinacional ao pagamento de indenização por danos morais coletivos de R$ 1 milhão. O valor leva em conta a capacidade econômica da multinacional, o proveito obtido com a conduta ilícita, a gravidade e repercussão da lesão.

O MPT pede, ainda, que o frigorífico se abstenha de realizar dispensa coletiva sem prévia negociação e, no caso de a realizar, que observe critérios mínimos de garantias efetivas aos empregados, como possibilidade de transferências para outras unidades da empresa, manutenção de plano de saúde, preferência na recontratação para os mesmos ou novos postos de trabalho, entre outros.

Uma audiência foi marcada para o mês de novembro, na Vara Itinerante de Campo Verde.

Fonte: Ministério Público do Trabalho no Mato Grosso