Reformas laborais no mundo, abalos no Brasil e no funcionalismo

Reformas laborais no mundo, abalos no Brasil e no funcionalismo
Carlos Chagas

A Reforma Trabalhista, envolvendo o regramento dos direitos dos trabalhadores, obrigações dos empregadores e a capacidade negocial de ambos é um tema que vem sendo abordado de forma incisiva em anos recentes em vários países, o que requer que esse tema vem seja analisado a partir de uma perspectiva mundial.

Quando o Brasil discutiu e debateu a sua Reforma Trabalhista de 2017 – e aí a expressão “reforma” denota uma conotação de sentido duvidoso, dado o que efetivamente se deve considerar uma reforma, em sentido positivo, ela foi colocada precisamente num contexto em que muitos países estão buscando fazer esse tipo de reforma como mecanismo, inclusive, para enfrentar efeitos negativos da crise econômica e financeira global, contudo, elas decorrem, sobretudo, da incapacidade que têm esses governos, da sua inabilidade para gerir adequadamente a sua política monetária e as externalidades que acarretam as crises sobre o nível de emprego e a atividade produtiva. Com isso buscam, então, implementar certas reformas para absorver choques macroeconômicos, choques derivados da própria economia mundial, e amenizar efeitos da crise sobre o nível de emprego e a produção.

Nos países em desenvolvimento, essas reformas têm sido postas muitas vezes como um instrumento para busca de manutenção de níveis de emprego em épocas de aumento de desemprego e recursos públicos escassos, onde a capacidade de o governo adotar políticas anticíclicas acaba sendo prejudicada. Essas políticas, em vários países, segundo a Organização Internacional do Trabalho, no entanto, estão relacionadas também à questão do comércio internacional, como a mudança na capacidade dos países de manter os seus sistemas de trocas. Essa situação acaba impactando as economias de países, particularmente países exportadores, que dependem do mercado internacional.

Essa busca por maior competitividade no cenário internacional pelos países, num cenário de globalização econômica, é determinada centralmente pelas necessidades, portanto, e pelos interesses do mercado e do capital financeiro, ou seja, não são mudanças que tenham, essencialmente, um caráter de cunho social, mas têm, sobretudo, um caráter estritamente econômico, que coloca ou recoloca o trabalho como apenas mais um elemento a serviço do capital, como mais um elemento na política de trocas, ou seja, o trabalho humano é tratado como uma simples mercadoria ou insumo no processo produtivo.

Esse aspecto revela um processo de agravamento de situações que já vinham se verificando há décadas, que se inicia a partir da automação e da introdução de novas tecnologias, sobretudo do campo da robótica e da Tecnologia de Informação e Comunicação, que permitiram a substituição de trabalhadores por máquinas, mas numa perspectiva intermediária. Ou seja, o que se tem hoje, de fato, é a desvalorização do trabalhador e do emprego, mas com uma etapa intermediária em um novo fluxo de robotização e automação. Na medida em que o trabalho humano pode ser substituído pela automação, cada vez menos esse trabalho é valorizado como um elemento importante para o equilíbrio da ordem social e econômica.

Quando observamos, hoje, as tendências em termos tecnológicos, é bastante evidente que o uso de aplicativos, o uso de processamento de dados em massa, Big Data, e a tecnologia de computação tendem a criar novas situações em que os trabalhadores que são necessários fisicamente, seja por meio do trabalho na empresa, seja por meio, por exemplo, do teletrabalho, é cada vez menor, e esses trabalhadores vão acabar, de alguma forma, sendo substituídos pelos algoritmos e pelos aplicativos, que vão intensificar, portanto, essa descartabilidade do ser humano como instrumento da prestação de serviços, da execução de atividades.

É muito interessante observar que, no Brasil, vigora ainda hoje a Lei 9.956, de 2000, que proibiu a utilização do autosserviço nos postos de gasolina. Se tal lei não estivesse em vigor, praticamente não haveria, hoje, mais trabalhadores nos postos de gasolina atendendo as pessoas, porque cada consumidor seria o responsável por operar uma máquina e pagar com o seu cartão de crédito, como acontece, aliás, em muitos países, com a total dispensa, portanto, de uma força de trabalho.

Hoje, há um crescente debate nessa linha, por exemplo, em relação a motoristas de ônibus e cobradores de ônibus. Em vários centros urbanos, estão se implementando sistemas de bilhetagem eletrônica que dispensam a figura do cobrador, a ponto de algumas localidades, como o caso do Rio de Janeiro, aprovarem leis para proibir a dispensa dos cobradores e manter o seu nível de emprego.

Esta é a discussão hoje: até que ponto a tecnologia vai tornar, de fato, os trabalhadores dispensáveis?

Nessa perspectiva, as mudanças que vêm ocorrendo ao redor do mundo implicam a promoção da redução do custo do trabalho como objetivo, e a reforma da legislação é o meio. São buscados por essa via contratos mais flexíveis, ou mesmo a ausência de contratos de trabalho, facilitando-se a admissão e a demissão; ajustes na jornada de trabalho, tornando essas jornadas mais flexíveis e, portanto, também os salários; a redução do acesso ao Judiciário, da capacidade de litigância judicial, com inibições do direito de ação, e a redução de passivos trabalhistas como consequência; e a intensificação do uso do negociado sobre o legislado, com o enfraquecimento da própria capacidade de negociação coletiva, ou seja, convertendo a negociação numa negociação individualizada, com a redução, portanto, da importância da representação sindical, aumentando aí o papel, a supremacia do capital sobre o trabalho. E a consequência disso vem também quando se retiram do sistema sindical mecanismos de financiamento para aumentar a sua dependência sobre resultados, promovendo, por via indireta, uma asfixia financeira.

Um trabalho muito importante e recente da OIT elaborado por Adascalitei e Morano mostra que, em 110 países, no período de 2008 a 2014, foram promovidas cerca de 640 mudanças nos seus sistemas laborais, embora com grande diversidade de conteúdos, alcance e objetivos.

Em grande parte desses países, no entanto, essas reformas buscavam o ajuste fiscal, a promoção de ajustes fiscais, e havia elevados níveis de desemprego. Ou seja, os níveis de desemprego influenciaram claramente a adoção de reformas trabalhistas.

Na maior parte dos casos, no entanto, percebe-se que o foco foi sobre precisamente o caráter protetivo da legislação, ou seja, o nível de regulamentação existente foi reduzido. As reformas não foram feitas, portanto, para proteger os trabalhadores, mas para reduzir a proteção conferida aos trabalhadores.

Nesse cenário, os países que tiveram queda no seu Produto Interno Bruto, ou seja, desempenho econômico insuficiente, queda da atividade econômica, são justamente aqueles que se mostraram mais propensos a adotar reformas nessa direção, ou seja, reformas desregulamentadoras.

Nesse particular, os contratos permanentes foram o centro dessas reformas. A mudança de paradigma se dá precisamente a partir do enfraquecimento desses contratos como forma de proteção da relação de trabalho, especialmente nos países desenvolvidos, que foram duramente afetados pela crise; enquanto, nos outros países, particularmente nos países em desenvolvimento, as reformas se focaram mais nos mecanismos de negociação coletiva, ou seja, a flexibilização se dá a partir desse mecanismo.

Em 55% dos casos, então, verifica-se que houve uma preocupação com a diminuição da proteção ao emprego com a mudança de longo prazo na regulamentação do mercado de trabalho.

Observando a direção dessas reformas por continente, fica bastante claro que precisamente foi na Europa e nos países do leste europeu, nas ex-repúblicas soviéticas, que mais intensamente se promoveu mudanças na legislação como propósito de reduzir a proteção ao emprego, ou seja, 66% do total desses países da Europa, os países desenvolvidos, e 46% da Europa central e sudoeste e ex-União Soviética foram os que fizeram reformas com esse caráter, como mostra o gráfico a seguir:

tabela1 lasFonte: Adascalitei e Morano, op. Cit., p. 6.

 

Em outras regiões, houve menor impacto sobre essa questão do nível da proteção ao emprego. E a América Latina, particularmente, até 2014, teve um perfil de reformas voltado essencialmente para aumento da própria proteção. Por quê? Porque foi um período – e é muito importante salientar esse fato – em que a América Latina presenciou a ampliação de governos progressistas ou de esquerda, que mudaram o foco das suas legislações, buscando ampliar a proteção social e a inclusão das camadas mais pobres da sociedade, notadamente nos países em que a proteção ao trabalhador ainda era muito baixa.

Por outro lado, países que historicamente construíram um sistema de proteção social e legislações trabalhistas mais rígidas, como é o caso da Europa, operaram no sentido oposto.

Como demonstra o gráfico a seguir, o número de reformas por temas demonstra que mudanças nas regras de contratação permanente foram um foco importante, em escala mundial, ao lado das negociações coletivas, mas o peso de cada um desses conjuntos de reforma muda drasticamente em relação a sua quantidade e relevância, em função precisamente da situação desses países no contexto da evolução legislativa em perspectiva histórica.

tabela2 lasFonte: Adascalitei e Morano, op. Cit., p. 7.

 

Nota-se que a menor proteção e a menor regulação está precisamente, no caso europeu, associada ao aumento do desemprego nesses países, que criou um “momento” para essa solução, particularmente até 2012. De lá para cá, a estabilização desse fenômeno teve como correspondência uma menor velocidade no volume de reformas trabalhistas implementadas.

No leste europeu verifica-se uma flutuação bastante significativa em termos de volume de reformas realizadas ao longo do período.

Nos demais países, o quadro é bastante distinto e a velocidade dessas reformas foi bastante diferenciada. Na América Latina, em particular, ela foi mais intensamente voltada ao aumento da proteção, até, particularmente, 2012 e 2013.

O foco das reformas trabalhistas ao redor do mundo tem sido essencialmente em relação à redução da jornada de trabalho (74%), contratos de trabalho temporário (65%), demissões coletivas (62%), contratos permanentes (59%), negociações coletivas (46%), e outras formas de emprego (28%). Isso não quer dizer, no entanto, que essas novas formas de emprego não tenham um papel fundamental neste modelo de transição que tenta enfraquecer precisamente a capacidade de proteção do trabalhador.

Em vários países percebe-se reformas muito duras, muito drásticas, como é o caso da Espanha, que promoveu mais de 50 alterações na legislação trabalhista desde 1980, como a reforma em 2012 , visando precisamente, na perspectiva de um governo conservador, à redução do custo do trabalho para a recuperação de competitividade econômica, medidas que reduziram custos de emissão, permitiram a flexibilização de jornada, redução de salários e limitação de capacidade de negociação sindical. Com a retomada da economia naquele país, esses mecanismos geraram a aceleração da criação de ocupações, mas, sobretudo, ocupações precárias com queda de rendimento, decorrentes de contratações por jornada reduzida, com tempo parcial, com grande rotatividade da mão de obra e com salários menores.

No México, país que é membro da OCDE, da mesma forma, tivemos aí, em 2012, uma ampla reforma que promoveu uma grande redução também da massa salarial em que mais de 80% da população ocupada recebe menos de US$ 5 por dia. Em fevereiro de 2017, um novo ciclo de reformas leva também à retirada de direitos de indenização dos trabalhadores com menos seis meses de contrato; liberação da terceirização, muito semelhante à nossa aqui, portanto; regras mais rígidas no caso do serviço público, além de corte de salários de grevistas; jornada de trabalho flexíveis e pagas pelas horas efetivamente trabalhadas, ou seja, contrato intermitente; reforma da Justiça do Trabalho e reforma sindical.

Na Alemanha, a crise de 2008 teve como resultado a implementação com mais força de medidas que ampliaram modalidades de emprego temporário ou com jornada reduzida, particularmente o trabalho intermitente, que ajudaram a atenuar impactos dessa crise. No entanto, essas reformas já começaram a ser implementadas em meados de 2005, com a aprovação da reforma Hartz naquele país, que teve, de fato, um papel importante na recuperação da competitividade da economia alemã e uma queda de desemprego de cinco pontos percentuais, em 2005, mas com consequências bastante perversas em relação à questão da renda, ao aumento da insegurança e ao risco de pobreza. Ou seja, garantiu-se um nível de emprego razoável num contexto de crise no continente, mas com empregos de baixa qualidade e com salários reduzidos. Medidas acessórias foram adotadas naquele país, como reformas no seguro-desemprego para reduzir os direitos dos trabalhadores a esse seguro, e tornando-os mais vulneráveis a essas mudanças, sem opções no âmbito da seguridade social; redução na capacidade de representação dos trabalhadores, com ampliação da representação por local de trabalho; e, finalmente, a questão da própria idade para a aposentadoria, que foi elevada na Alemanha, mais um elemento para obrigar as pessoas a se sujeitarem por mais tempo às condições impostas pelo mercado de trabalho.

A Itália, além do emprego, a reforma trabalhista buscou – de certa forma, mimetizando reformas adotadas na Alemanha – os mesmos objetivos, ampliando as facilidades para demissão em contratações temporárias, mas, por outro lado, com uma compensação que foi a ampliação da proteção aos desempregados, no caso desses empregos precários.

Na França, um grande debate se travou no governo Hollande para promoção de uma reforma trabalhista, mas centralmente também com o objetivo da flexibilização, de facilitar a negociação dos salários e jornada, limitar indenizações para demissão sem justa causa e reduzir os passivos judiciais.

Essas mudanças têm efeitos bastante diversificados. Veja-se que, se na Alemanha é fato que houve uma redução do desemprego associada à implementação dessas reformas, embora com empregos de baixa qualidade, não foi o mesmo quadro que se verificou na Itália, na França e na Europa como um todo. Mesmo esses países tendo adotado reformas bastante drásticas de redução de direitos, não houve um efeito homogêneo em relação à redução do desemprego. Isso leva os pesquisadores que se debruçam sobre esse tema a concluir que os efeitos macroeconômicos nesses países são extremamente modestos, especialmente quanto ao nível de emprego no curto prazo. Ou seja, as vantagens alardeadas dessas reformas são, na verdade, muito inferiores àquelas que seus defensores apregoam. O gráfico a seguir revela o comportamento das taxas de desemprego no período em que a maior parte das reformas ocorreram:

Taxa de Desemprego na área do Euro (2000-2013)

tabela3 las

Fonte: Eurostat apud How have the Hartz reforms shaped the German labour market? Directorate General of the Treasury/Tresor-Economics 110, March 2013.

 

Quando observamos em perspectiva comparada o Índice de Qualidade de Vida aferido pela OCDE em 2015, percebemos que o Brasil se acha em patamar bastante próximo dos países desenvolvidos em relação ao indicador “emprego e salário”, como monstra o gráfico a seguir:

 

Índice de Qualidade de Vida – 2015

tabela4 lasFonte: OECD (2015), “Better Life Index: Better Life Index 2015”, OECD Social and Welfare Statistics (database)

 

Com as reformas que estão sendo implementadas atualmente, possivelmente o Brasil experimentará um distanciamento maior nesse quesito, dado que o brasileiro não dispõe da mesma rede de proteção social e de serviços públicos que há nesses países para compensar essas reduções remuneratórias que estão acontecendo lá e que vão acontecer ainda mais num país de enormes desigualdades de renda, enormes índices de pobreza, de concentração de renda, e que deveria buscar soluções na direção oposta.

Quanto ao desemprego, o Brasil é um país que tem uma elevadíssima taxa de desemprego entre jovens. Cerca de 30% dos jovens de 14 a 24 anos em situação de desocupação, segundo dados do IBGE de 2017. Em comparação com outros países, embora a classificação por faixas etárias seja ligeiramente diferente, o que dificulta uma comparação exata, em países da Europa como Portugal, França, Espanha, assim como também, no caso, a África do Sul, ali no exemplo, além da Itália, verifica-se percentuais de desemprego entre jovens acima de 20%; na África do Sul, ultrapassa 53%. E hoje estamos diante de um cenário em que é exatamente essa a camada social que mais impacto sofrerá dessas mudanças no tipo de emprego que se oferece.

tabela5 lasFonte: OECD Employment Outlook 2017; Pnad Contínua /IBGE. Elaboração: IPEA, 2017.

 

Quando se observa o percentual de pessoas ocupadas em trabalhos parciais ou intermitentes com dados de 2016 – dados não disponíveis sobre o Brasil que permitam fazer essa comparação, porque as nossas estatísticas não informam essa distribuição – nos demais países considerados, inclusive países em desenvolvimento, como Rússia e África do Sul, nota-se que ele tem se elevado progressivamente, e, num espaço de cinco anos, mais do que dobraram nesses países, o que pode ser correlacionado com o resultado dessas reformas. Veja-se o gráfico a seguir:

 

tabela6 lasFonte: OECD Employment Outlook 2017

 

Destaque-se a expressiva participação das mulheres no trabalho parcial ou intermitente. é reveladora do impacto dessas mudanças sobre esse segmento da sociedade. São as mulheres, ao lado dos jovens, os mais prejudicados por essa nova forma de contratação que facilita precisamente a redução de salário, a partir da implementação dessas formas precárias.

No serviço público, o quadro também não é muito favorável. Em muitos países, vêm sendo promovidas mudanças no perfil da força de trabalho, com redução de salários, corte de salários e corte de pessoal. E, em muitos países da Europa, particularmente em países membros da OCDE, mais de 59% deles promoveram cortes ou congelamento de salários, e 28%, redução de quadros.

Isso tudo num contexto também de ajuste fiscal, ou seja, é a reprodução, na esfera do serviço público, da mesma perspectiva que vem sendo adotada na esfera privada, só que, nesse caso, comprometendo a capacidade de prestação de serviços e de atuação dos governos no atendimento das demandas da sociedade.

Apenas no caso dos Estados Unidos, quanto à redução da força de trabalho na Receita Federal daquele país, segundo demonstrado pelo sindicato nacional dos servidores do Tesouro, 6% na redução do pessoal causou uma redução de quatro bilhões na arrecadação de impostos.

No Brasil, verifica-se um cenário extremamente problemático, com o pacote de medidas anunciado pelo Presidente Temer em julho de 2017, que implica várias medidas de ajuste que irão afetar brutalmente a estrutura do serviço público.

Primeiramente, a Medida Provisória 805, editada em 30 de outubro de 2017, tenta postergar por um ano reajustes previstos para entrar em vigor em janeiro de 2018, no serviço público, dos servidores do Poder Executivo, e impor aumento de alíquota de contribuição previdenciária do servidores públicos de 3 pontos percentuais, passando para 14% da remuneração total e proventos.

Há ainda proposta de redução de reajustes de cargos comissionados, congelamento de reajustes de cargos comissionados; redução de ajudas de custo, redução de auxílio-moradia. Enfim, medidas menores, mas contextualizando-se nesse mesmo debate.

Uma questão muito importante, que integra esse conjunto de medidas, mas ainda não submetida ao Congresso, é a reavaliação de carreiras com a redução drástica dos seus salários de entrada, dos seus salários iniciais, e obviamente também, em longo prazo, dos seus salários finais.

Ou seja, um conjunto de medidas extremamente problemáticas e preocupantes associadas a outras, como por exemplo, a questão da delegação do poder de política a particulares, segundo o Projeto de Lei 280/17, em tramitação no Senado; a demissão por insuficiência de desempenho no serviço público, que voltou a ser debatida na forma do Projeto de Lei do Senado (PLS) 116/17; e a Medida Provisória 792, instituindo incentivo à redução de jornada e programa de desligamento voluntário, que perdeu eficácia sem apreciação pelo Congresso no dia 28 de novembro; e, finalmente, a ampliação da terceirização no serviço público, como uma derivação da reforma trabalhista.

Com efeito, a Lei 13.467/17 aumentou drasticamente as possibilidades de terceirização, por meio da nova redação dada aos arts. 4º-A, 5º e 5º-A da Lei 6.019/74, que visa exatamente, nas empresas, a afastar a distinção entre atividade-meio e atividade-fim para esse objetivo. Mas essa mudança conceitual também impacta o serviço público, na medida em que se afasta qualquer critério de separação entre atividades.

Por essa via tem-se a derrogação do Decreto 2.271, de 1997, permitindo que se volte a terceirizar amplamente, como aconteceu ao longo dos anos 1990 no serviço público, quando chegamos a ter situações de órgãos públicos com mais de 70% de servidores terceirizados, embora a Lei de Responsabilidade Fiscal não permita que essa contratação seja excluída para fins de cálculo dos limites de despesa com pessoal.

Finalmente, temos aqui a MP 808, de 14 de novembro de 2017, que é a “reforma da reforma”, que foi editada para cumprir acordos feitos durante a reforma trabalhista. Essa medida recebeu 967 emendas, 227 delas de Parlamentares da base do Governo, ou seja, o tema não está pacificado; muito pelo contrário, a MP 808 reabriu uma série de discussões e agravou algumas questões que já estavam mal postas na própria lei da reforma trabalhista.

E aqui, finalmente, destacamos a redação dada o art. 911-A da CLT, que evidencia gravemente o risco de que os trabalhadores intermitentes sejam os novos excluídos do âmbito da Previdência Social, na medida em que esses trabalhadores terão que recolher a diferença de contribuição caso recebam menos de um salário mínimo, sob pena de não terem direito previdenciário algum.

Veiculam-se, atualmente, notícias a toda hora de empresas que estão recrutando trabalhadores intermitentes, oferecendo salário por hora equivalente ao salário mínimo; computando-se o total de horas efetivamente trabalhadas, esses trabalhadores receberão R$120, R$130 no mês. E, a menos que por conta própria recolham a diferença, não terão direito previdenciário algum.

O resultado dessas mudanças na legislação, combinadas com a perspectiva de aumento ou a fixação da idade mínima da reforma da previdência, é uma elevada exclusão previdenciária no médio prazo, consequência que é dessa economia compartilhada de que a “uberização” é um dos exemplos mais evidentes, mas que não se dá apenas por essa via. Dá-se também pela via da terceirização, pela via do contrato autônomo – particularmente nesse caso do contrato autônomo não exclusivo, mas continuado –, que substitui o emprego, pelos incentivos à flexibilização da jornada e, finalmente, por essa relação que há entre o trabalho e o direito social.

Assim, tem-se o agravamento da exclusão. O trabalhador torna-se cada vez mais uma peça descartável no complexo industrial com impactos na sua dignidade, inserção social, padrão de consumo, saúde física e mental. E, no plano previdenciário, a maioria esmagadora dos “trabalhadores” (mais ainda do que hoje) somente terá direito ao benefício mínimo, ou mesmo a nenhum benefício, e com idades elevadas.

Fonte: Portal de Notícias DIAP, por Luiz Alberto dos Santo. Disponível em: http://www.diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/27995-reformas-laborais-mundo-impactos-no-brasil-e-no-funcionalismo.

 

(*) Luiz Alberto dos Santos: Advogado, consultor legislativo do Senado Federal, mestre em Administração, doutor em Ciências Sociais. Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Previdência Social. Palestra proferida na Subcomissão do Estatuto do Trabalho da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal em 27 de novembro de 2017. Revisado em março de 2018. Título original: Reformas trabalhistas no mundo e novas formas de trabalho: impactos no Brasil e no serviço público federal