STF declara constitucional “lista suja” do trabalho escravo

STF declara constitucional “lista suja” do trabalho escravo
Carlos Chagas

“Autos de infração expedidos por auditores do trabalho são públicos. Assim, ao se divulgar resultados de políticas de fiscalização, após regular processo administrativo, confere-se publicidade a decisões definitivas”.

Com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente o pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) — feito na ADPF 509 — para que fosse declarada inconstitucional a chamada “lista suja” do trabalho escravo, da qual constam os nomes de empregadores que submeteram trabalhadores a condição análoga à de escravo. O nome do empregador permanece no cadastro por um período de dois anos, durante o qual a Administração monitora a regularidade das condições de trabalho. Se verificada reincidência, o nome continua na lista por mais dois anos.

O voto do relator do caso, ministro Marco Aurélio, foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Divergiu o ministro Alexandre de Moraes, para quem a Abrainc sequer tem legitimidade para propor a ação. Edson Fachin e Luís Roberto Barroso acompanharam o relator, mas com ressalvas. O julgamento foi feito por meio do Plenário virtual, em sessão encerrada nesta segunda-feira (14/9).

 

Histórico 

A “lista suja” do trabalho escravo foi inicialmente instituída em 2004, por meio de uma portaria interministerial. Em 2011, uma nova portaria fez alterações na disciplina. A Abrainc impugnou esse ato de 2011, por meio da ADI 5.209. Decisão liminar do então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, chegou a suspender a eficácia das normas, sob o argumento de que inexistia lei formal a respaldá-las, além de aparente inobservância do devido processo legal, já que na portaria não haveria referência à instauração de processo administrativo e às garantias do contraditório e da ampla defesa.

Posteriormente, no entanto, a relatora dessa ADI, ministra Cármen Lúcia, declarou a perda de objeto da ação, pois novo ato foi editado — Portaria Interministerial 4/2016, dos à época ministérios do Trabalho e Previdência Social e de Estado das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Segundo Cármen Lúcia, a nova normativa sanou os pontos que haviam sido questionados pela Abrainc. A entidade, no entanto, voltou questionar a lista suja, impugnando a portaria de 2016 — por meio da ADPF 509.

Relator da ADPF, o ministro Marco Aurélio, então, considerou que a nova portaria se ampara na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11). “O diploma tem por princípio a chamada ‘transparência ativa’, incumbindo aos órgãos e entidades o dever de promover a divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitação”, afirmou. Assim, reputou constitucional a portaria. “Com o Cadastro, visou-se conferir publicidade a decisões definitivas, formalizadas em processos administrativos referentes a autos de infração, lavrados em ações fiscais nas quais constatada relação abusiva de emprego, a envolver situação similar à de escravidão”, disse.

O ministro também destacou que a portaria de 2016 atende ao devido processo legal. “Garante-se, ao empregador, a apresentação de defesa no prazo de dez dias, contados do recebimento do auto de infração, a requisição de audiência para ouvir testemunhas e outras diligências, bem assim recurso dentro de dez dias, a partir do recebimento da notificação da decisão impondo a pena”, considerou. Além disso, registrou que a “lista suja” não tem natureza sancionatória, “considerada a finalidade precípua de atendimento ao princípio da publicidade de atos administrativos de inequívoco interesse público”.

Por fim, ressaltou que o princípio da dignidade da pessoa humana — artigo 1º, III, da Constituição — é fundamento da República e proíbe a “instrumentalização do indivíduo”. “A observação justifica-se ante a necessidade de ter-se avanço, e não retrocesso, civilizacional. A implementação do ato atacado volta-se a realizar direitos inseridos no principal rol das garantias constitucionais”, concluiu.

Fonte: Revista Consultor Jurídico.